quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Exclusivo e alvissareiro: a nova marchinha carnavalesca de João Roberto Kelly!

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Do Jardim Botânico ao Rio Comprido, o chacoalhar do 438 nos embalava o
sono profundo, naquele fim de tarde de São Cosme e Damião, quando, no
meio da na avenida Paulo de Frontin, o celular estrilou uma surpresa
tão deliciosa quanto suspiro, peitinho de moça, pé de moleque e maria
mole:

- Alô, Cláudio Renato!

- Sim! Ele mesmo!

- É o Kelly, meu filho! Quanto tempo, caramba! Estou explodindo de
alegria, queria dividi-la com você! - dizia a voz exultante do maior
compositor de marchas carnavalescas do Brasil, ao lado dos saudosos
João de Barro, o Braguinha, Lamartine Babo e Oswaldo Nunes.

Colombina onde vai você? Eu vou dançar o iê, iê, iê....

Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é?...

Mulata Bossa Nova, saiu no huly guly...e só dá ela...

A cabeça viaja para outros carnavais com João Roberto Kelly.

- Kelly, que prazer, por onde...?

- Seguinte: no próximo dia 14 de outubro, anota aí, 14 de outubro, às
19h, no Bola Preta, vou lançar a minha nova marchinha de carnaval,
depois de muitos e muitos anos! Sabe onde é o Bola Preta agora, né? Na
Rua da Relação com a Lavradio. Quero o amigo lá pra uma cervejinha! Tô
dando essa notícia a você, em primeira mão! Vamos colocar
um clipe no You Tube. Eu não sei nem direito o que é e-mail, mas a
minha mulher (Maria Helena Arduini) sabe tudo de computador, Internet,
Orkut!

- Claro, Kelly! Claro! Há quanto tempo você não fazia
marchinha?...Desde a Cabeleira do Zezé!

- Também não é assim, Renato! (risos).

- Vou, mestre! Vou sim!

- Quer ouvir? Olha só... - a marcha é introduzida pelo menino de 72
anos, imitando, com a boca, os instrumentos imaginários de sopro e
percussão - Tumtururutumtum....Paparararatá..."Tá com vontade de fazer
xixi/Não faz aqui/Não faz aqui/Nosso bloco, a gente vê/É cheiroso, é
maneiro/Lugar de mijão é no banheiro!" Tumturururumrum...

- Kelly, vamos fazer o seguinte... Estou chegando em casa. Vamos nos
falar, ainda hoje, porque tenho perguntas a lhe fazer. Posso mandar
e-mail?

- Manda pra minha mulher. Vou ficar do lado dela, respondo o que você quiser.

As respostas e um novo telefonema chegaram na tarde seguinte. Com o clipe junto para que pudéssemos conhecer, em primeira mão, o que se espera ser sucesso no carnaval de 2011

Passavante - Quer dizer que você volta a compor marchinha de carnaval
e vai apresentá-la, pela primeira vez, no Bola Preta, na sede do bloco
de carnaval mais animado e tradicional do Rio?


João Roberto Kelly - Exatamente. O Bola Preta está oferecendo me uma
festa, o que muito me honra!

P - O que lhe inspirou a compor a nova marchinha? É possível antecipar que será um
sucesso com a marca registrada de João Roberto Kelly?


JRK - Foram os "mijões" do último carnaval. Eles não tinham paciência,
nem lugar e descarregavam o "combustível" nas paredes, nas calçada, em
qualquer canto. O nome é Marcha do Xixi. Sucesso não tem garantia. A
gente faz a marchinha e tem fé que vai colar.

P - Ora,
Kelly, seja sincero. Vai dizer que, apertado, nunca fez xixi na rua?

JRF - É pra ser sincero, né? Eu fiz sim. Mas não nesse carnaval que passou...

P - Você é considerado um dos maiores autores de marchinhas
carnavalescas, ao lado do Braguinha e Lamartine Babo. Quantas foram?

JRK - Mais de 50. Mas nem todas tiveram o êxito de Cabeleira do Zezé,
de Mulata Bossa Nova, de Maria Sapatão, de Bota a Camisinha, de Paz e
Amor
, de Colombina e tantos outros sucessos que fiz. No total, foram
cerca de 300 músicas populares, entre as quais trilhas de programas de TV e
peças de teatro.

P - Braguinha é a sua maior inspiração?

JRK - Braguinha é um dos maiores autores da música popular brasileira.
Ao lado de Lamartine e Haroldo Lobo, exerceu certa influência no meu
jeito de compor. Mais do que um amigo, fui um admirador de Braguinha.

P - Você, além de compositor, é pianista, com formação clássica. Por
que decidiu fazer marchinhas de carnaval?


JRK - Não decidi nada. Eu musicava grandes shows de televisão (Times
Square
, My Fair Show, Praça Onze). Certa madrugada, tomando chope num
bar em Copacabana vi um garçom cabeludo, todo moderninho para a época
(1963). Falei pra ele: se eu fosse desenhista, faria agora uma
caricatura sua; como sou compositor, vou fazer uma música. O ritmo
escolhido foi a marchinha. Nascia a Cabeleira do Zezé. Dali pra
frente...

P - O que você gosta de ouvir?

JRK - Gosto de música romântica, samba, bossa nova e jazz. Gosto muito
de tocar jazz no piano com amigos músicos. Fundamental, para mim, mais
do que duas ou três canções, é a obra inteira de Noel, Ary e Tom.

P - Quem é o (a) melhor intérprete de João Roberto Kelly?

JRK - Cantando os meus sambas, gosto muito da Elza Soares (Boato), da
Alcione (Mormaço) e do Emílio Santiago (Mistura). Nas marchinhas,
sempre fui premiado com as vozes de Emilinha Borba, João Goulart,
Dalva de Oliveira e com a genial irreverência do Chacrinha.

P - A marchinha é uma espécie em extinção na música popular?

JRK - Não. A marchinha está se renovando. Ao lado dos nossos eternos
sucessos de carnaval, surgiu uma garotada nova, buscando outros
caminhos para a marcha carnavalesca, o que acho muito saudável.

P - Quem é o seu herdeiro?

JRK - O meu herdeiro está no meio dessa garotada, dessa galera, muitos dos quais frequentam a Lapa.

P - Você é apaixonado por Copacabana.

JRK - Quando criança e adolescente, morei na Gamboa. Depois, vim para
Copacabana e não saí mais. Conheci aqui Dorival Caymmi, um gênio.
Conheci Valter Alfaiate. Que honra! A mesma honra que tenho em
continuar convivendo com Billy Blanco, Doris (Monteiro), Berta Loran e
Tito Madi, aqui no bairro.

P - Quantos discos você gravou na carreira?

JRK - Gravei mais de 30 LPs e CDs como pianista e cantor. Meu trabalho
atual está sendo lançado na festa do Bola Preta: um CD e um clipe com
a marchinha de 2011. São 46 anos de carnaval, 52 de carreira. Mas o
entusiasmo com este lançamento é o mesmo de antigamente.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Geraldo Vandré, 40 anos depois: "Sou um criminoso, um exilado, ainda não voltei"

Geraldo Vandré: protesta quem não tem poder!
Geraldo Vandré e Geneton Moraes Neto, no Clube da Aeronática

Coube a Chico Buarque e a Tom Jobim enfrentarem a maior vaia da história dos festivais da canção. Durante dez minutos, mais da metade das 30 mil pessoas que lotavam o Maracanãzinho, na madrugada de 29 de setembro de 1968, protestaram, furiosamente, contra a decisão do júri do III Festival Internacional da Canção, que escolhera como vencedora a elegia Sabiá, dos compositores cariocas, interpretada pelas irmãs Cynara e Cybele. O público preferia o hino Para não dizer que não falei das flores (Caminhando), de Geraldo Vandré, uma provocação direta ao regime militar, a Marselhesa brasileira, na pena sarcástica de Nélson Rodrigues. E de nada adiantou a tentativa de contemporização de Vandré.

- Sabe o que eu acho? Uma coisa só mais... Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem nosso respeito. A nossa função é a de fazer canções. A função de julgar é do júri que ali está (vaias)...Por favor, tem mais uma coisa só...Para vocês que continuam pensando que me apoiam vaiando (é marmelada! é marmelada!)...Gente, por favor!...Olha, tem uma coisa só: a vida não se resume em festivais! (aplausos)


Dois meses mais tarde, a ditadura calaria o Brasil com o Ato Institucional 5 e o valente Geraldo Vandré nunca mais seria o mesmo. Exilado na Europa e no Chile de Salvador Allende, retornaria em 1973, quando foi obrigado a gravar uma depoimento, em que garantia que, a partir de então, só faria canções de amor. O auto-exílio do compositor só aumentou as especulações de que ele teria sido torturado, lobotomizado, emasculado, o que o próprio nega veementemente. O fato é que Geraldo Vandré morreu. O compositor que assombrara o país com canções belas e corajosas como Disparada e Aroreira não existe mais, conforme se depreende da entrevista que ele concedeu ao repórter Geneton Moraes Neto, que vai ao neste sábado, 25 de setembro, às 21h05, na Globonews (com repetição no domingo, às 12h30).


A tarde é melancolicamente azul, às margens da Baía de Guanabara, em 12 de setembro de 2010. Ansiosos, chegamos ao Aerorto Santos Dumont às 15h30min e monitoramos, por telefone, o repórter Geneton Moraes Neto. "Estamos a caminho!" Na noite anterior, Geneton telefonara para, generosamente, nos convidar a acompanhar um trabalho histórico. Ele entrevistaria para o programa Dossiê Globonews, o lendário paraibano Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, que decidira, após quatro meses de negociação empreendida pela produtora Mariana Filgueiras, com a intermediação de um brigadeiro, quebrar um silêncio de 40 anos. Geraldo Vandré, que incendiara o Brasil na segunda metade dos anos 60, cumpria, solitário, naquela data, 75 anos, em um alojamento do Clube da Aeronáutica, anexo ao III Comando Aéreo Regional, na Praça XV de Novembro, centro do Rio.

Ainda não se sabia, ao certo, se Geraldo Vandré concordaria em gravar para um programa de televisão, depois de quatro décadas, mas, quando a equipe da Globonews chegou, o ermitão já aguardava, pontualmente, sentado em um banco de madeira, na portaria. Para a surpresa de quem testemunhou o encontro, Vandré esperou, pacientemente, que toda a parafernália eletrônica fosse ligada e que o microfone de lapela fosse instalado sob a camisa branca do Clube da Aeronáutica que vestia. Enquanto o cinegrafista e os operadores de áudio e luz não davam o sinal para o começo da entrevista, Vandré e Geneton conversavam sobre o que os une intimamente: o Nordeste. Geneton nasceu há 54 anos numa sexta-feira, 13 de julho, em Recife. Ao modo dele, Vandré respondeu a todas as perguntas, às vezes encarando a câmera; foi solícito na hora de posar para imagens de apoio, tirou fotos e até concordou em dar autógrafos.


Na primeira pergunta, Geneton foi direto. "O que aconteceu com Geraldo Vandré?"


- Ele ficou fora dos acontecimentos, foi melhor assim - sussurrou o autor de Disparada. Tenho muito o que fazer. Quando conclui o curso de Direito no Rio, em 1961, fui para São Paulo sabendo que a arte é cultura inútil. Retomei a minha profissão original e descubro que é mais inútil ainda. Sou um advogado em um tempo sem leis.


Geraldo Vandré diz não ter planos de voltar a cantar comercialmente para o público brasileiro. Compôs cerca de 30 canções populares inéditas, em espanhol, que pretende apresentar em um espetáculo em qualquer país da América Latina, menos no Brasil. Domesticamente, desenvolve um poema sinfônico que terá como intróito a música Fabiana, em louvor à FAB, Força Aérea Brasileira. A letra de Fabiana é distribuída como um cartão de visitas a quem se aproxima. O compositor, exilado por causa das canções consideradas ofensivas ao regime militar. encerra uma série de estudos para piano e provoca, ao dizer que se considera mais subversivo do que nunca.

- Nada é mais subversivo que um subdesenvolvido erudito.

Para não dizer que não falei das flores (Caminhando), segundo Vandré, foi uma música importante para a época (1968), feita para todos, até para os soldados e ainda é, acredita, muito atual num país de boias frias, em que as cidades são cada vez mais superpovoadas por "indecisos cordões" (como diz a letra da canção).


- Protesto é coisa de quem não tem poder. Eu fazia música popular brasileira. E tenho muito orgulho de tudo que fiz!


Vandré conta que está compondo peças sinfônicas com o apoio de uma pianista em São Paulo, onde vive, no bairro Bela Vista, o Bexiga, no centro velho da cidade. Só vem ao Rio para visitar a mãe, que mora na cidade serrana de Teresópolis. Quando fica na capital, se instala em alojamentos da Aeronáutica, onde fez amigos, graças, segundo conta, à paixão de infância pela aviação.

- A música ganhou nova dimensão para mim, como a física e a matemática.

Geneton pergunta sobre a divergência histórica que Vandré teve com os tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil.

- Uma vez o Gil me disse que fazia qualquer coisa, algo tinha que dar certo. Eu respondi a ele que eu não fazia isso. Estou longe de tudo, mas parece que os tropicalistas continuam na mesma.

Ao ser perguntado em que país Geraldo Vandré vivia, o compositor paraibano assegurou que vive no Brasil que não existe mais.

- O problema é que a maioria dos brasileiros não vive mais no Brasil. O meu Brasil é de 40 anos atrás, quando fazia música para ele. Profissionalmente, a minha carreira mudou no Maracanãzinho. Estava acostumado a fazer espetáculos para 700 pessoas, mil pessoas no teatro e, de repente, estava em um ginásio lotado, cantando para 30 mil, com a televisão transmitindo ao vivo. Era a massificação total.

Para Geraldo Vandré, foi a tal massificação cultural que o afastou dos palcos, porque descaracterizou o que chama de manifestação artística brasileira.

- O Chico Buarque e o Edu Lobo fazem, atualmente, algo segmentado, de vez em quando. Quanto a mim, estou exilado até hoje. Estou afastado do que fazia até 1968. E não retornei.

Geraldo Vandré recusa, contundentemente, o rótulo de compositor antimilitarista, até porque não esconde a adoração pela FAB. Ele conta já ter feito, com um coral de meninos, uma bonita homenagem à Força Aérea, na Semana da Asa, em São Paulo. Planejava repetir o concerto no Clube da Aeronáutica, mas o edifício, em obras, está sendo preparado para as Olimpíadas Militares de 2011, o que deverá adiar o projeto.

- Todos os países soberanos do mundo têm as próprias forças armadas. Vamos entregar as nossas? Por que? Eu tenho loucura por aviação. A maior loucura do homem é voar!

Ao lembrar da apresentação de Caminhando no Maracanãzinho, Vandré diz que foi tudo muito bonito.


- Queria rever as imagens. E dizem que elas desapareceram. Estão lá as imagens do Tom, do Chico, das meninas do Quarteto em Cy, que defenderam Sabiá. E por que as minhas não estão? Devem estar muito bem guardadas.


Para Vandré, cada canção tem um valor próprio. "Gosto igualmente de todas." Das mais famosas, diz que Disparada é mais brasileira, afinada com a tradição de modas de viola, e Caminhando é a primeira crônica urbana que fez.


- Não existe obra-prima. Esta é questão de predileção do público, dos meios de comunicação e dos formadores de opinião.


Geneton pergunta ao compositor se, caso escrevesse um verbete sobre Geraldo Vandré, qual seria a primeira frase. Ele ri e dispara:


- Criminoso! O governo me anistiou por causa das canções que cantei! Fui demitido do serviço público por isso. O que vocês chamam de governo cobra impostos sobre o "corpo de delito" que são as canções que fiz. Voltei ao funcionalismo, depois de muita briga, e me aposentei graças a um despacho fundamentado na Lei de Anistia. Anistia é para criminoso, condenado por sentença transitada em julgado, se ele aceitar. Aceitar a anistia é aceitar-se criminoso.

Vandré admite que, na época, sob certos aspectos, as canções eram mesmo subversivas, mas, no caso dele, "as Forças Armadas entenderam muito melhor a situação do que a sociedade civil. "Sempre houve respeito entre nós." O compositor diz que a ligação que tem com o Brasil se faz, diretamente, por intermédio da FAB.

- Houve um reconhecimento de uma parte da sociedade (os militares) que não tivera oportunidade de saber realmente quais as minhas posições.

A pecha de compositor antimilitarista, segundo Vandré, não passa de manipulação.

- Quanto mais proibidas as canções, mais se vendiam, menos se prestavam contas aos autores. É o processo de massificação, que destruiu a cultura brasileira.

Geneton pergunta sobre a última manifestação artística que chamou a atenção de Vandré, depois do afastamento.

- Quatro anos e meio fora do Brasil, quando voltei havia algo importante, o movimento armorial (iniciativa inspirada pelo escritor pernambucano Ariano Suassuna que tinha como objetivo criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste), com o quinteto e a orquestra armorial. Não me lembro de nada mais relevante.

Alguma coisa mais chama hoje a atenção de Geraldo Vandré?

- O Tirica (risos). Dizem que vai ser o deputado mais votado em São Paulo.

Geraldo Vandré elogia o talento de Chico Buarque. Diz que, enquanto estava fora, o compositor carioca continou produzindo uma obra importante.

- Quando voltei, ainda tentei me apresentar em um programa de televisão, não importa qual, mas não gostei daquilo. Recuei. A própria TV Globo me chamou para participar de um festival, mas já não me interessava mais.

Segundo Vandré, ele não perdeu contato com os cantores e compositores da geração dos festivais, simplesmente porque nunca estabeleceu qualquer ligação com eles.

- Nunca fui enfronhado no meio artístico. Fazia minhas coisas e me despedia.

Vandré disse que, em 1968, tinha um contrato com uma TV alemã para fazer um documentário. Um ano e meio na Europa, voltou para o Chile, onde havia muitos brasileiros abrigados sob o governo socialista de Salvador Allende. Depois, foi para o Peru, onde, em 1972, ganhou um festival com a única música não cantada em espanhol, intitulada Pátria Amada, Idolatrada, Salve, Salve.


Em 1973, Geraldo Vandré foi obrigado a gravar um vídeo no Aeroporto de Brasília, em que negava qualquer militância política e jurava, a partir de então, só compor canções de amor.


- Não fui constrangido. Nunca tive mesmo militância política e patidária.


As imagens desse depoimento de Vandré também desapareceram. É o mais misterioso vácuo na memória do compositor.


- Gostaria de rever as imagens. Houve a gravação. O que foi para o ar, não sei. Queriam que fizesse uma declaração. Não lembro mais. Mas nada disse que não tenha querido dizer. Aquele depoimento foi feito a pedido de alguém que se apresentou como policial federal. Foi aqui, no Rio. Depois disseram que eu tinha que ir para Brasília. Cheguei ao Brasil em 14 de julho. Em 11 de setembro de 1973, apareço como se estivesse chegando em Brasília. O depoimento foi gravado antes. Gravaram minha imagem descendo do avião em Brasília. Tudo muito manipulado. Tive que passar por um processo de readaptaçao ao voltar.


- A decisão de interromper a carreira foi um protesto contra a "massificação da sociedade brasileira"?

- Foi falta de motivação. Estou fazendo o que acho que deveria fazer.

Geraldo Vandré garante que de nada se arrepende e não reclama da falta de reconhecimento no Brasil.

- Obtive o reconhecimento que procurei e quis. Raramente me arrependo. Calculo, reflito. Quando faço é para ficar feito mesmo.

É o momento em que um poema de Gonçalves Dias, que aprendeu com o pai, José Vandregísilo, acode o compositor paraibano: "Não chores, meu filho, não chores!/ Viver é lutar!/ A vida, meu filho, é um combate! Luta renhida/que aos fracos abate e aos bravos só pode exaltar!"

Sobre a temporária clandestinidade no Brasil, em 1968, Geraldo Vandré admitiu ter ficado, no Rio, na casa de dona Aracy, viúva do escritor Guimarães Rosa:

- Quando fecharam o Congresso, em 13 de dezembro de 1968, estava indo para Brasília apresentar um espetáculo, que, lógico, foi suspenso. Voltei a São Paulo, dirigindo. Ao andar à toa na rua, poderia aparecer uma guarda de trânsito para fazer média. Decidi sair de circulação e, no Rio, fiquei na casa de dona Aracy.


- Vandré, para registro histórico, você foi maltradado físicamente durante o regime militar? - pergunta Geneton.

-Não, nunca!

- Você toca Disparada em casa?

- Não. Faz tempo que não pego no violão. Tenho que voltar a estudar.

Já é noite. Aproveitamos para abraçar e parabenizar Geraldo Vandré pelo aniversário. Ele sorri. Sobe as escadas do alojamento. Geneton, como uma câmera MiniDV, acompanha o eremita até o meio do caminho. Ele olha para trás e se despede, com um sorriso.


Os meninos de rua se dispersam na Praça XV, naquele domingo vazio. A noite encerra uma angústia. Cantarolando a épica Disparada, imaginamos o quanto mudou o Brasil, para o bem e para mal. Seria Geraldo Vandré um cadáver insepulto na cultura popular brasileira? Ou ainda não aprendemos a ver a morte sem chorar?