Do Jardim Botânico ao Rio Comprido, o chacoalhar do 438 nos embalava o
sono profundo, naquele fim de tarde de São Cosme e Damião, quando, no
meio da na avenida Paulo de Frontin, o celular estrilou uma surpresa
tão deliciosa quanto suspiro, peitinho de moça, pé de moleque e maria
mole:
- Alô, Cláudio Renato!
- Sim! Ele mesmo!
- É o Kelly, meu filho! Quanto tempo, caramba! Estou explodindo de
alegria, queria dividi-la com você! - dizia a voz exultante do maior
compositor de marchas carnavalescas do Brasil, ao lado dos saudosos
João de Barro, o Braguinha, Lamartine Babo e Oswaldo Nunes.
Colombina onde vai você? Eu vou dançar o iê, iê, iê....
Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é?...
Mulata Bossa Nova, saiu no huly guly...e só dá ela...
A cabeça viaja para outros carnavais com João Roberto Kelly.
- Kelly, que prazer, por onde...?
- Seguinte: no próximo dia 14 de outubro, anota aí, 14 de outubro, às
19h, no Bola Preta, vou lançar a minha nova marchinha de carnaval,
depois de muitos e muitos anos! Sabe onde é o Bola Preta agora, né? Na
Rua da Relação com a Lavradio. Quero o amigo lá pra uma cervejinha! Tô
dando essa notícia a você, em primeira mão! Vamos colocar
um clipe no You Tube. Eu não sei nem direito o que é e-mail, mas a
minha mulher (Maria Helena Arduini) sabe tudo de computador, Internet,
Orkut!
- Claro, Kelly! Claro! Há quanto tempo você não fazia
marchinha?...Desde a Cabeleira do Zezé!
- Também não é assim, Renato! (risos).
- Vou, mestre! Vou sim!
- Quer ouvir? Olha só... - a marcha é introduzida pelo menino de 72
anos, imitando, com a boca, os instrumentos imaginários de sopro e
percussão - Tumtururutumtum....
xixi/Não faz aqui/Não faz aqui/Nosso bloco, a gente vê/É cheiroso, é
maneiro/Lugar de mijão é no banheiro!" Tumturururumrum...
- Kelly, vamos fazer o seguinte... Estou chegando em casa. Vamos nos
falar, ainda hoje, porque tenho perguntas a lhe fazer. Posso mandar
e-mail?
- Manda pra minha mulher. Vou ficar do lado dela, respondo o que você quiser.
As respostas e um novo telefonema chegaram na tarde seguinte. Com o clipe junto para que pudéssemos conhecer, em primeira mão, o que se espera ser sucesso no carnaval de 2011
Passavante - Quer dizer que você volta a compor marchinha de carnaval
e vai apresentá-la, pela primeira vez, no Bola Preta, na sede do bloco
de carnaval mais animado e tradicional do Rio?
João Roberto Kelly - Exatamente. O Bola Preta está oferecendo me uma
festa, o que muito me honra!
P - O que lhe inspirou a compor a nova marchinha? É possível antecipar que será um
sucesso com a marca registrada de João Roberto Kelly?
JRK - Foram os "mijões" do último carnaval. Eles não tinham paciência,
nem lugar e descarregavam o "combustível" nas paredes, nas calçada, em
qualquer canto. O nome é Marcha do Xixi. Sucesso não tem garantia. A
gente faz a marchinha e tem fé que vai colar.
P - Ora, Kelly, seja sincero. Vai dizer que, apertado, nunca fez xixi na rua?
JRF - É pra ser sincero, né? Eu fiz sim. Mas não nesse carnaval que passou...
P - Você é considerado um dos maiores autores de marchinhas
carnavalescas, ao lado do Braguinha e Lamartine Babo. Quantas foram?
JRK - Mais de 50. Mas nem todas tiveram o êxito de Cabeleira do Zezé,
de Mulata Bossa Nova, de Maria Sapatão, de Bota a Camisinha, de Paz e
Amor, de Colombina e tantos outros sucessos que fiz. No total, foram
cerca de 300 músicas populares, entre as quais trilhas de programas de TV e
peças de teatro.
P - Braguinha é a sua maior inspiração?
JRK - Braguinha é um dos maiores autores da música popular brasileira.
Ao lado de Lamartine e Haroldo Lobo, exerceu certa influência no meu
jeito de compor. Mais do que um amigo, fui um admirador de Braguinha.
P - Você, além de compositor, é pianista, com formação clássica. Por
que decidiu fazer marchinhas de carnaval?
JRK - Não decidi nada. Eu musicava grandes shows de televisão (Times
Square, My Fair Show, Praça Onze). Certa madrugada, tomando chope num
bar em Copacabana vi um garçom cabeludo, todo moderninho para a época
(1963). Falei pra ele: se eu fosse desenhista, faria agora uma
caricatura sua; como sou compositor, vou fazer uma música. O ritmo
escolhido foi a marchinha. Nascia a Cabeleira do Zezé. Dali pra
frente...
P - O que você gosta de ouvir?
JRK - Gosto de música romântica, samba, bossa nova e jazz. Gosto muito
de tocar jazz no piano com amigos músicos. Fundamental, para mim, mais
do que duas ou três canções, é a obra inteira de Noel, Ary e Tom.
P - Quem é o (a) melhor intérprete de João Roberto Kelly?
JRK - Cantando os meus sambas, gosto muito da Elza Soares (Boato), da
Alcione (Mormaço) e do Emílio Santiago (Mistura). Nas marchinhas,
sempre fui premiado com as vozes de Emilinha Borba, João Goulart,
Dalva de Oliveira e com a genial irreverência do Chacrinha.
P - A marchinha é uma espécie em extinção na música popular?
JRK - Não. A marchinha está se renovando. Ao lado dos nossos eternos
sucessos de carnaval, surgiu uma garotada nova, buscando outros
caminhos para a marcha carnavalesca, o que acho muito saudável.
P - Quem é o seu herdeiro?
JRK - O meu herdeiro está no meio dessa garotada, dessa galera, muitos dos quais frequentam a Lapa.
P - Você é apaixonado por Copacabana.
JRK - Quando criança e adolescente, morei na Gamboa. Depois, vim para
Copacabana e não saí mais. Conheci aqui Dorival Caymmi, um gênio.
Conheci Valter Alfaiate. Que honra! A mesma honra que tenho em
continuar convivendo com Billy Blanco, Doris (Monteiro), Berta Loran e
Tito Madi, aqui no bairro.
P - Quantos discos você gravou na carreira?
JRK - Gravei mais de 30 LPs e CDs como pianista e cantor. Meu trabalho
atual está sendo lançado na festa do Bola Preta: um CD e um clipe com
a marchinha de 2011. São 46 anos de carnaval, 52 de carreira. Mas o
entusiasmo com este lançamento é o mesmo de antigamente.
Parabéns! JRK é um craque!
ResponderExcluirLembro de sua visita ao Meu Kantinho, emocionante.
Esse João Roberto que é o maioral!
Sucesso não tem garantia. Talvez seja essa a receita do inigualável Kelly, uma criança madura, que nos presenteou com tantas marchinhas inesquecíveis. E o bastidor da criação da "Cabeleira" é sensacional! Valeu, CR. Arrebentou! Nos vemos lá dia 14.
ResponderExcluirforte abraço!!
Querido Cláudio, sempre 'te' leio. Mas falta coragem para escrever, analisar, textos geniais como os seus! Só que hoje não deu e resolvi capitular. A entrevista é ótima! Quase fiz xixi de tanto rir... Além disso, Kelly representa as matinês carnavalescas da minha infância :) Um beijo, Márcia Brasil
ResponderExcluirKelly é rei! Vou ver se apareço lá no novo Bola dia 14.
ResponderExcluirBj
Poucas coisas (muito poucas mesmo) são tão totalmente cariocas quanto as marchinhas, o Bola Preta e o João Roberto Kelly.
ResponderExcluirDia 14 vai ser “uma alegria infernal”...
Muito bom conhecer mais sobre esse arquiteto da alegria, um dos mestres contemporaneos da alma e da irreverência cariocas. Cresci ouvindo e cantando as marchinhas do Kelly. Pero Vaz de Caminha, ao escrever para El-Rei, nem imaginava que seu texto estava incompleto. Deveria ter sido assim: "Nessa terra, em se plantando, tudo dá. Quanto à certidão auditiva desse povo, basta um mote, que ela nasce; chama-se marchinha. Não volto mais à terra de Camões, pois agora eu só quero brincar o carnaval nesse país mui generoso e próspero". Vivam, para sempre, as marchinhas e, em cada nota, viva, também, mais um imortal da Academia Popular de Música Brasileira, João Roberto Kelly.
ResponderExcluirBj.
Daisy Nogueira
Adorei seu blog!
ResponderExcluirOlá
ResponderExcluirEu sou a Kinha do blog AMIGA DA MODA e também estou concorrendo ao prêmio TopBlog, na categoria variedades. Vim fazer uma proposta: “UM VOTO POR UM VOTO”. Eu voto em seu blog e vc no meu. Que tal a proposta?
Gostei do se blog e estou te seguindo. Se gostar do meu, me siga também.
Vou aguardar a sua visita.
http://amigadamoda.blogspot.com
Bjo
Olá amigo
ResponderExcluirFiquei muito feliz com sua visita.
Vim agradecer e retribuir o voto e a confiança. Acabo de votar em seu blog para o prêmio TopBlog, obrigada e BOA SORTE.
Bjo
Oi Claudio. Adoro o kelly. Adorei o post. Já entrevistei e até participei de uns programas dele. Xiiiiii. Vou me entregar.
ResponderExcluirUm talento. Merece todas as homenagens.
bj da Eliane
Oi tricolor. Feliz Ano.
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